Relação Capital x Trabalho

No nosso último artigo, escrevemos sobre as quotas preferenciais como uma das formas de organizar a relação entre capital, expertise e trabalho de cada sócio.

Note-se, no entanto, que todos os sócios, a despeito de competências distintas, precisariam ter recursos financeiros para compor, integralizar o capital social.

No entanto, e se um dos empreendedores não tiver qualquer recurso financeiro? E se a sua participação for essencial para o sucesso do empreendimento? Pensemos em um exemplo como uma relação entre um talentoso cozinheiro ou programador sem recursos e um investidor amigo que enxerga ali uma oportunidade.

Tecnicamente, a pergunta se põe da seguinte forma: como estruturar uma relação societária de capital e trabalho, uma relação em que uma das partes contribuirá apenas com o seu trabalho?

A pergunta que, em um primeiro momento, pode parecer simples, assume certa complexidade a partir da seguinte premissa jurídica prevista no art. art. 1.055, § 2 º do Código Civil que trata do Capital Social das sociedades limitadas : “é vedada contribuição que consista em prestação de serviços.”

Em outras palavras, a legislação atual proíbe a constituição de sociedades em que a contribuição de um dos sócios se restrinja – exclusivamente – a “trabalho”. Portanto, no nosso exemplo, a Dona Maria estaria impedida de adentrar no quadro social do futuro empreendimento gastronômico, caso não possuísse recurso financeiro.

Um rápido esclarecimento, no entanto: o Código Civil autoriza expressamente a contribuição de serviço nas Sociedades Simples Pura[1]. A sociedade simples pura é uma forma de organização societária destinada a atividades intelectuais, científicas, literárias ou artísticas, sem caráter empresarial. Em uma sociedade entre médicos ou entre advogados, seria plenamente possível, por exemplo[2].

Ainda que escape do escopo do presente artigo, cabe registrar que a sociedade simples pura possui diversos inconvenientes  para o empreendedor, sendo o principal deles a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas da sociedade.

Embora possa se adequar perfeitamente, e inclusive ser comum, para uma sociedade de médicos, por exemplo, para empreendimentos com caráter empresarial e alto risco não é possível.

Certo. Então, como organizar uma relação de capital trabalho?

Primeiramente, é importante pontuar que não há uma fórmula ou estrutura pronta que funcionará para todo tipo de empreendimento. Cada relação societária trará especificidades que exigirão institutos e parâmetros próprios. De todo modo, algumas ferramentas se farão presentes em quase toda relação de capital e trabalho.

A primeira delas é a já conhecida por muitos empreendedores: “opção de compra (call option). A call option é uma cláusula constante de um contrato que estabelece que, preenchidos determinados requisitos – e, aqui, o céu é quase o limite -, a parte que detém a opção poderá obrigar a outra  a vender a respectiva participação societária, por preço previamente estipulado.

Perceba que essa é uma forma de garantir que um dos sócios que, a princípio, contribuiu apenas com seu trabalho e, portanto, não tinha participação, não era dono da sociedade constituída, passe a tê-la, a partir do atingimento de metas acordadas.

Um outro instituto extremamente útil nessas relações é a distribuição desproporcional de lucros. Em outras palavras, distribuir os lucros da sociedade por outro parâmetro que não a participação de cada sócio no capital social.

O art. 1007 do Código Civil permite a distribuição desproporcional de lucros em sociedades limitadas, desde que expressamente autorizada pelo contrato social. Essa inclusive é uma vantagem das Sociedades Limitadas frente às Sociedades Anônimas. Isso porque, na sociedade limitada, sequer se exige a emissão de quotas preferenciais para viabilizar a distribuição diversa dos lucros, bastando apenas a previsão em contrato social.

Evidentemente, a distribuição deve seguir parâmetros acordados entre as partes, tais como performance e resultado. Recomenda-se inclusive que tais parâmetros estejam previstos em Acordo de Sócios, a fim de que se mantenha o sigilo da dinâmica societária, uma vez que, no contrato social, onde há publicidade, basta que conste a cláusula genérica autorizando.

Perceba que, no nosso exemplo, poderiam os empreendedores estabelecer uma distribuição igualitária de lucros, a despeito de uma participação mínima no capital social por um dos sócios. Com esses lucros, o sócio, que até então não possuía recursos para compor o capital social, poderia aos poucos adquirindo participação societária.

Como dito, os arranjos possíveis são tão numerosos quanto o número de empreendimentos, não havendo uma solução única apta a atender todo tipo de objetivo. Assim, recomendamos que – sempre – consultem um advogado especialista.

[1] As cooperativas, na medida em que até mesmo dispensam a formação de um capital social, também permitiriam a contribuição exclusiva com trabalho. No entanto, trata-se de uma associação de pessoas que se unem para prestar serviços aos seus membros, sem fins lucrativos.

[2] Temos aqui em nosso site um outro artigo que explica em mais detalhas a limitação de responsabilidade nas sociedades.

Desconsideração da Personalidade Jurídica.

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