O usufruto como ferramenta de planejamento sucessório

Ao lado do testamento, o usufruto talvez seja um dos institutos mais lembrados e utilizados em planejamentos sucessórios. Mas você sabe mesmo o que é e como utilizá-lo?

Inicialmente, alertamos, no entanto, que não existe uma fórmula pronta e adequada a todo patrimônio ou necessidade. Um planejamento adequado depende da análise pormenorizada de diversos aspectos como: volume e tipo de patrimônio, a distribuição dos bens, a relação familiar, os riscos associados.

De todo modo, até em casos que demandam construções mais sofisticadas como a holding patrimonial,  o usufruto pode ainda ser extremamente útil.

Em artigo específico também disponível aqui no site, explicamos, em linhas gerais, como se dá o planejamento sucessório em holdings patrimoniais: https://moac.com.br/planejamento-sucessorio/

 

I – Direito real de usufruto

Recorrendo ao conceito do Professor Sílvio Venosa[1] o usufruto “é um direito real transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva sua substância.”.

Em outras palavras, o usufruto confere ao seu titular uma forma de utilização da propriedade alheia. Nessa relação, existem duas figuras: o usufrutuário, que possui poderes (atributos) para utilizar, usar, gozar e fruir a coisa; e o nu-proprietário, que detém a propriedade despida dos atributos anteriores, podendo ainda, no entanto,  reivindicar e alienar a coisa.

Dessa forma, o direito real de propriedade onerado pelo usufruto é chamado também de “nua-propriedade“, porquanto despida dos seguintes atributos: utilizar, usar, gozar e fruir.

Nos termos do artigo 1.390 do Código Civil, o usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades. Além disso, conforme artigo 1.392, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa (pertenças, benfeitorias, frutos e etc) e seus acrescidos.

Importante registrar que o art. 1.391 determina que o usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.  No caso de bem móvel,  quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, o usufruto é adquirido com a tradição.

O usufruto é inalienável e personalíssimo. No entanto, o seu exercício pode ser cedido por título gratuito ou oneroso. Vejamos um exemplo para que se perceba a importante diferença entre exercício e direito.

João, usufrutuário de determinado imóvel alugado, cede para Maria o exercício do direito e, portanto, a renda do aluguel. Como João ainda é o usufrutuário, uma vez que o direito é personalíssimo e inalienável, caso faleça, será extinto o usufruto e como consequência, o exercício do direito. Adiante trataremos em detalhe das hipóteses de extinção.

Da inalienabilidade decorre também a sua impenhorabilidade. No entanto, pelo mesmo raciocínio, embora não possa haver a constrição do direito, o seu exercício poderá ser penhorado.

 

II – Direitos e deveres do usufrutuário

Os direitos e deveres do usufrutuário estão previstos nos artigos 1.394 a 1.409 do Código Civil. Os direitos são:

1. Posse, uso (utilização livre do bem), administração e percepção dos frutos (rendimentos produzidos pela utilização econômica da coisa principal, por exemplo);

2. Direito de cobrar as respectivas dívidas, quando o usufruto recair sobre títulos de crédito;

3. Percepção dos frutos naturais pendentes (que não foram colhidos) ao começar o usufruto. Em relação aos frutos civis, os que vencem na data inicial do usufruto pertencem ao proprietário, já os vencidos na data em que cessa o usufruto, pertencem ao usufrutuário (art. 1.398, CC);

4. O usufrutuário poderá ele mesmo exercer o direito de usufruir da propriedade ou mediante arrendamento. Entretanto, em qualquer caso, o usufrutuário não pode mudar-lhe a destinação econômica, sem expressa autorização do proprietário.

 

Os deveres do usufrutuário, por sua vez, estão listados nos artigos 1.400 a 1.409 do Código Civil. Vejamos:

1. Antes de assumir o usufruto, inventariar, à sua custa, os bens que receber, determinando o estado;

2. Zelar pela conservação da coisa recebida;

3. Entregar ao proprietário findo o usufruto, quando não vitalício ou extinto por qualquer razão;

4. Pagar as despesas ordinárias de conservação dos bens, levando em conta o estado em que recebeu. As despesas extraordinárias e as ordinárias não módicas (despesas superiores a dois terços do rendimento líquido em um ano) são responsabilidade do nu-proprietário;

5. Pagar as prestações (condomínio) e os tributos (IPTU ou ITR) devidos pela posse ou rendimento da coisa;

6. Dar ciência ao dono de qualquer lesão produzida contra a posse da coisa ou os direitos deste;

7. Se a coisa estiver segurada, o pagamento do seguro cabe ao usufrutuário.

 

Importante alertar que, embora o Código Civil estabeleça que é responsabilidade do usufrutuário o pagamento do condomínio e IPTU, por exemplo, tais dívidas constituem obrigações propter rem, ou seja, elas acompanham automaticamente o imóvel mesmo que ele seja vendido, seja qual for o título translativo. Além disso, dada a natureza propter rem da obrigação, o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia do pagamento da dívida.

 

III – Extinção do Usufruto

Nos termos do artigo 1.410 e seguintes, usufruto extingue-se:

1. pela renúncia do usufrutuário, a qual não depende de concordância do nu-proprietário;

2. pela morte do usufrutuário, uma vez que, como dito, trata-se de um direito personalíssimo. Nesse caso, a propriedade recupera todos seus atributos.

3. pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

4. pelo termo final de sua duração, sendo caso de usufruto temporário;

5. pela cessação do motivo de que se origina. Cita-se o exemplo do usufruto legal em favor do pai sobre os bens do filho menor sob o poder familiar. Com o atingimento da maioridade, o direito real extingue-se.

6. pela destruição da coisa;

7. pela consolidação. A consolidação ocorre quando o usufruto e a nua-propriedade se reúnem na mesma pessoa. Pode-se citar como exemplo a situação em que o usufrutuário adquire a nua propriedade. Nesse caso, além de usufrutuário, ele se tornaria também nu-proprietário da coisa.

Por fim, conforme artigo 1.411 do Código Civil: “constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a Parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente.”

 

IV- O usufruto como ferramenta de planejamento sucessório

 Como esclarecido em mais detalhes no nosso artigo sobre holdings patrimoniais, o planejamento sucessório, na lição de Cássio S. Namur (2007), seria a “organização em vida da divisão do patrimônio entre os herdeiros e o estabelecimento de mecanismos de administração desse patrimônio”.[2]

O seu principal objetivo é facilitar a partilha dos bens do de cujus, a fim de preservar a integridade patrimonial e emocional da família.

Diversos podem ser os mecanismos utilizados para um planejamento sucessório do casal, a depender do patrimônio familiar: fundações, fundos de investimento exclusivo, trust, acordos de acionistas, transformações societárias.

Como ferramenta de planejamento sucessório, a maneira mais popular de utilização do usufruto ocorre quando os pais desejam transferir em vida seu imóvel para os filhos e, no entanto, querem garantir o direito de habitar o imóvel vitaliciamente. Basicamente, o que se busca é antecipar a herança.

Por mais simples que pareça, há inegáveis vantagens nesse movimento, conforme lembra o Professor Carlos Elias[2]:

1. Caso sejam constituídas dívidas posteriores em nome do pai, os futuros credores não poderão penhorar a nua propriedade, mas apenas o seu exercício, como ensinado, o que protegerá a herança do filho;

2. Quando do falecimento do pai, caso não existam outros bens, não haverá necessidade de se realizar inventário, bastando a averbação na matrícula do imóvel para que a propriedade seja consolidada no nu-proprietário (filho).

Alertamos que todo planejamento, incluindo a doação com reserva de ususfruto, deve respeitar, por óbvio, as limitações impostas pelo Código Civil quanto aos bens destinados aos herdeiros necessários, cônjuge ou companheiro. Por exemplo: se feita aos filhos, será considerada adiantamento da legítima (parte da herança que lhes cabe por lei).

Quanto à tributação da operação, há incidência do imposto sobre de transmissão causa mortis e doação. Trata-se de um tributo de competência impositiva dos estados e do Distrito Federal, e tem sua previsão constitucional no art. 155, inc. I, da Constituição Federal de 1988. No estado de São Paulo é abreviado por ITCMD, enquanto no estado do Rio de Janeiro é conhecido por ITD.

A Constituição Federal impõe ao Senado Federal a competência para fixar as alíquotas máximas do ITCMD. A Resolução nº 9/1992, do Senado Federal, fixa em 8% a alíquota máxima do imposto, possibilitando que se tenha alíquotas progressivas nos estados.

De maneira geral, no momento da operação, será devido o imposto com base de cálculo correspondente ao valor da nua propriedade. No futuro, com a morte dos pais e a extinção do usufruto, será devido com base de cálculo correspondente ao valor do usufruto.

Aqui reside uma outra possível vantagem do usufruto. O ITCMD, em caso de morte, incide sobre toda a herança, sobre a universalidade. Na doação em vida, não. Considerando que as alíquotas são progressivas, desmembrar o pagamento poderá, a depender do caso,  traduzir-se em pagamentos menores.

No Distrito Federal, a alíquota vai de 4% a 6% e denomina-se Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD. Determina a legislação distrital que, na hipótese de desmembramento da propriedade, o valor venal dos direitos reais será de 70% (setenta por cento) do valor venal do bem e o da propriedade nua será de 30% (trinta por cento) do valor venal do bem.

Registra-se, por fim, que os estados e o Distrito Federal ainda instituem hipóteses e limites para isenção.

Embora essa seja a utilização mais comum do instituto, para os olhos atentos e especializados trata-se de uma ferramenta mais poderosa e versátil.

Lembra-se que o usufruto pode instituído por e para pessoas físicas e jurídicas, sobre bens imóveis e móveis. Quanto a sua extensão, ainda pode ser feito de maneira:

1. Universal ou Particular: Em outras palavras, o usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, ou em um patrimônio inteiro, ou parte deste.

2. Pleno ou Restrito: Será pleno quando abranger todos os frutos e utilidades, sem exceção, que a coisa produz; e restrito, quando algumas utilidades são excluídas do gozo da coisa.

Essa flexibilidade do usufruto e os deságios negociais possíveis quando do desmembramento dos atributos da propriedade, são importantes aliadas na construção de soluções mais sofisticadas em holdings patrimoniais.

Lembra-se que seria plenamente possível instituir o usufruto de quotas sociais por meio de contrato de doação. Nesse caso, a pessoa doa para outra a sua parte (quota) da empresa, mantendo seu direito de usufruir dos lucros, ou parte deles, até a extinção que, como ensinado, dar-se-á: com a morte do usufrutuário ou  a renúncia, se vitalício.

Por fim, alertamos que o direito de voto da quota gravada com usufruto deve estar regulado no ato que a instituiu e que, para ter efeito sobre terceiros, deve estar devidamente registrado.

Não deixe de consultar um profissional antes de qualquer decisão.

Lembramos que o MOAC Advogados atua com estratégias jurídicas artesanalmente pensadas e desenhadas para o desenvolvimento e a segurança de nossos clientes parceiros.

[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008

[2] https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/346486/usufruto-para-deixar-imovel-no-nome-do-filho

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