Alexandre Mattos de Freitas
A possibilidade de utilização de robôs na automatização de lances em pregões eletrônicos por parte dos licitantes já foi objeto de muita controvérsia na doutrina administrativista e nos julgados dos Tribunais de Contas de nosso país.
O próprio TCU proferira decisões[1] no sentido de que a utilização de robôs por licitantes configuraria violação à isonomia, haja vista que as empresas que lançassem mão dessa ferramenta teriam vantagens em relação às empresas que não se utilizavam do robô na fase de disputa, configurando, assim, uma vantagem competitiva indevida na licitação.
Cumpre relembrar que a preocupação dos órgãos de controle com a isonomia nas licitações é fundamentada tanto na revogada Lei n° 8.666/1993, quanto na Lei n° 14.133/2021, que coloca o tratamento isonômico aos licitantes como um dos objetivos do procedimento licitatório. Veja-se trecho da nova lei de licitações:
Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:
[…]
II – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição.
Cabe ressaltar que a isonomia é um princípio orientador da Administração Pública, que deve observá-lo permanentemente durante todo o procedimento licitatório. Entende-se que o licitante, todavia, não tem esse dever de isonomia, mas sim de cumprir a todas as prescrições legais e editalícias, buscando ser o mais eficiente possível, tanto na fase de disputa, quanto ao atender às demandas dos órgãos e entidades.
Assim, entende-se que, até mesmo em respeito ao princípio constitucional da livre concorrência, se o licitante não viola ato normativo ou dispositivo editalício específico, pode se utilizar de robôs na fase de lances em licitações, uma vez que não há lei vedando sua utilização.
Nessa senda, uma das vantagens da utilização de robôs em licitações é exatamente viabilizar a participação em uma multiplicidade de licitações ao mesmo tempo com um número inferior de empregados. Ao programar o robô, definindo quais os menores preços a serem ofertados em cada licitação, o próprio software acompanha os lances e vai progressivamente reduzindo a oferta até alcançar o patamar mínimo já previamente estabelecido, evitando a necessidade de contratação de diversos profissionais para acompanhar cada uma das licitações. Trata-se, portanto, de medida de eficiência interna e administrativa e não de violação de direitos de outrem.
A utilização de robôs, na prática, não oferece nenhuma vantagem indevida para a empresa licitante – o que poderia ser interpretado como competição desleal. O que o software faz é simplificar o processo de entrada de lances e reduzir o trabalho humano envolvido, facilitando que a empresa não perca a oportunidade de enviar o seu lance e o faça de maneira rápida e eficiente.
Ademais, impende ressaltar que a utilização de robô durante uma disputa permite que a sua empresa reduza as chances de enviar lances com valores inexequíveis, uma vez que irá respeitar a margem de preço que a empresa deixou preestabelecida.
Cabe esclarecer que o entendimento das cortes de contas foi ao longo dos anos se assentando no sentido de que a utilização de robôs, per si, não viola a isonomia e não abala a competitividade, quando não violador de ato normativo ou norma editalícia.
Trata-se exatamente do entendimento esposado pelo então Ministro Relator André Luís de Carvalho no Acórdão 2791/2019-TCU-Segunda Câmara, que concluiu que, desde que respeitadas as regras básicas do certame licitatório e observado o tempo entre lances, a utilização de robôs não representa irregularidade dos licitantes.
Nessa mesma ordem de ideias, veja-se pequeno trecho do Acórdão TCU – Primeira Câmara, do ano de 2025:
Na decisão ora embargada, este Tribunal, além de indeferir o pedido de medida cautelar, concluiu, no mérito, pela regular habilitação da empresa vencedora do Grupo 1 (vigilância) e pela inexistência de vícios quanto a suposta utilização de “robôs” de lances durante a fase competitiva do certame.
(ACÓRDÃO 2071/2025 – PRIMEIRA CÂMARA. Relator JHONATAN DE JESUS. Processo 026.549/2024-7. Data da sessão 25/03/2025. (nosso grifo)
Além disso, cumpre esclarecer que a própria Administração Pública Federal previu na Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022, que dispõe sobre a licitação pelo critério de julgamento por menor preço ou maior desconto, o chamado “robô público de lances”[2], conforme art. 19 da mencionada norma:
Art. 19. Quando do cadastramento da proposta, na forma estabelecida no art. 18, o licitante poderá parametrizar o seu valor final mínimo ou o seu percentual de desconto final máximo e obedecerá às seguintes regras:
I – a aplicação do intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta; e
II – os lances serão de envio automático pelo sistema, respeitado o valor final mínimo estabelecido e o intervalo de que trata o inciso I.
Por fim, resume-se os possíveis benefícios da utilização de robôs para automatização de lances em pregões eletrônicos:
Caso sua empresa sofra alguma violação ao fazer o uso de robôs na fase de lances em licitações, não hesite em consultar um advogado especializado a fim de reestabelecer os seus direitos.
MOAC Advogados Associados
[1] Acórdão 2601/11 – Plenário: “O uso de programas ”robô” por parte de licitante viola o princípio da isonomia. Mediante monitoramento, o Tribunal tratou do acompanhamento do acórdão 1647/10, do plenário, que versou sobre a utilização de dispositivos de envio automático de lances (robôs) em pregões eletrônicos conduzidos por meio do portal Comprasnet, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, orçamento e Gestão (MPOG). No acórdão monitorado, o Tribunal concluiu que, em pregões eletrônicos conduzidos via portal Comprasnet: ”a) é possível aos usuários de dispositivos de envio automático de lances (robôs) a remessa de lances em frações de segundo após o lance anterior, o que ocorre durante todo o período de iminência do pregão; b) com a possibilidade de cobrir lances em frações de segundo, o usuário do robô pode ficar à frente do certame na maior parte do tempo, logrando assim probabilidade maior (e real) de ser o licitante com o lance vencedor no momento do encerramento do pregão, que é aleatório; c) ciente dessa probabilidade, que pode chegar a ser maior que 70%, o licitante usuário do robô pode simplesmente cobrir os lances dos concorrentes por alguns reais ou apenas centavos, não representando, portanto, vantagem de cunho econômico para a Administração”. Para o relator, os fatos configurariam a inobservância do princípio constitucional da isonomia, visto que ”a utilização de software de lançamento automático de lances (robô) confere vantagem competitiva aos fornecedores que detêm a tecnologia em questão sobre os demais licitantes”, sendo que as medidas até então adotadas pela SLTI/MPOG teriam sido insuficientes para impedir o uso de tal ferramenta de envio automático de lances. Além disso, como as novas providências para identificar alternativa mais adequada para conferir isonomia entre os usuários dos robôs e os demais demandariam tempo, e a questão exigiria celeridade, entendeu o relator que MPOG poderia definir provisoriamente, por instrução complementar e mediante regras adicionais para a inibição ou limitação do uso dos robôs, de maneira a garantir a isonomia entre todos os licitantes, nos termos do art. 31 do decreto 5.450/05, razão pela qual apresentou voto nesse sentido, bem como por que o tribunal assinasse o prazo de 60 dias para que a SLTI implementasse mecanismos inibidores do uso de dispositivos de envio automático de lances em pregões eletrônicos conduzidos via portal Comprasnet, no que foi acompanhado pelo plenário. (TC-014.474/11-5, rel. min. Valmir Campelo, 28/9/11)”. (nosso grifo)
Acórdão 1216/14 – Plenário: “A utilização de software de remessa automática de propostas comerciais pelos licitantes conduz à vantagem competitiva dos fornecedores que detêm a tecnologia sobre os demais licitantes. Embora não haja vedação expressa, nas normas que regulamentam o pregão, do uso desse tipo de ferramenta, o órgão ou entidade responsável pela condução do certame deve, em observância ao princípio da isonomia, implementar mecanismos inibidores dos efeitos nocivos que o envio automático de lances pode criar no ambiente concorrencial dos pregões eletrônicos”. (TC- 001.651/14-5, rel. min. Ana Arraes,14/5/14). (nosso grifo)
[2] Trata-se de redação praticamente idêntica à prevista no art. 9° da Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022, ato normativo que regulamentou a dispensa de licitação na forma eletrônica.
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