Alexandre Mattos de Freitas[1]
Sob a égide da Lei nº 14.133/2021, o Sistema de Registro de Preços (SRP) foi expressamente previsto como um procedimento auxiliar, ganhando regras e requisitos mais definidos. Uma das inovações trazidas pela nova lei refere-se ao prazo de vigência da ata de registro de preços (ARP), estabelecendo-o em 1 (um) ano, com a possibilidade de ser prorrogado por igual período, desde que comprovado o preço vantajoso. Isso representou uma mudança em relação à legislação anterior (Lei nº 8.666/1993 e Decretos correlatos), que limitava a validade total a doze meses, incluindo eventuais prorrogações.
A questão central, que surgiu com a possibilidade de prorrogação da vigência da ARP por mais um ano, é se essa prorrogação implica apenas a manutenção do saldo não utilizado do quantitativo inicialmente registrado ou se permite a renovação desse quantitativo para o novo período. A Lei nº 14.133/2021 e o Decreto nº 11.462/2023, que a regulamenta em âmbito federal, são silentes sobre a renovação dos quantitativos no momento da prorrogação da vigência da ata.
É fundamental distinguir entre “acréscimo” e “renovação” de quantitativos. O Decreto nº 11.462/2023, em seu artigo 23, veda expressamente a realização de acréscimos nos quantitativos estabelecidos na ata de registro de preços. Contudo, a renovação do quantitativo originalmente registrado para um novo período de vigência não se confunde com acréscimo; seria, por analogia, uma repetição do escopo para um novo ciclo temporal.
A interpretação favorável à renovação dos quantitativos baseia-se na analogia com a prorrogação de contratos de serviços ou fornecimentos contínuos, onde a cada prorrogação, renova-se o quantitativo inicialmente acordado, pois este está adstrito ao período de vigência inicial. Nesse caso, a expressão “prorrogação” pode ser entendida em sentido amplo, abrangendo a renovação do prazo e a repetição do escopo.
Argumenta-se que a própria Lei nº 14.133/2021 estrutura o planejamento das contratações com base na anualidade. O plano de contratações e a expectativa de consumo devem considerar o ciclo anual. Se a prorrogação da ARP por mais um ano não permitisse a renovação dos quantitativos, os agentes públicos seriam induzidos a projetar a necessidade para 24 meses no planejamento inicial, o que geraria imprecisão e poderia afastar licitantes sérios. Além disso, se o quantitativo anual fosse totalmente consumido no primeiro ano, a prorrogação da vigência da ata, sem renovação de quantitativos, perderia sua razão de existir.
Permitir a renovação dos quantitativos na prorrogação da ARP, quando a empresa está cumprindo suas obrigações e o preço é vantajoso, pode gerar benefícios significativos para a Administração, como economia processual (evitando nova licitação anual) e mitigação do risco de contratar fornecedores de baixa performance.
Nessa linha, o Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou o Enunciado nº 42, que estabelece que, no caso de prorrogação do prazo de vigência da ARP, atendidas as condições do art. 84 da Lei nº 14.133/2021, as quantidades registradas poderão ser renovadas, desde que o tema tenha sido tratado na fase de planejamento e previsto no ato convocatório.
Corroborando esse entendimento, a Advocacia-Geral da União (AGU) também se posicionou pela possibilidade de renovação do quantitativo inicialmente registrado em caso de prorrogação de vigência da ARP, conforme expresso nos Pareceres nº 00453/2024/CGAQ/SCGP/CGU/AGU e nº 00075/2024/Decor/CGU/AGU (referenciado na fonte).
Para que a renovação dos quantitativos seja possível, a AGU e o CJF indicam a observância de requisitos essenciais: a) comprovação de que o preço permanece vantajoso; b) previsão expressa tanto no edital quanto na ata de registro de preços; c) o tema deve ter sido tratado na fase de planejamento da contratação; e d) a prorrogação da ata deve ser formalizada por termo aditivo e ocorrer dentro do prazo de sua vigência.
É importante notar, contudo, que esse entendimento não é unânime, e algumas Cortes de Contas podem ter posições divergentes. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), por exemplo, fixou tese no sentido de que a prorrogação não restabelece os quantitativos iniciais, devendo ser considerado apenas o saldo remanescente, pois o restabelecimento seria equivalente a alterar o objeto licitado após a licitação, o que não encontraria amparo legal.
Apesar de posicionamentos distintos da doutrina, as orientações da AGU e do CJF conferem maior segurança jurídica à prática da renovação dos quantitativos na prorrogação da ARP, desde que rigorosamente observados os requisitos de planejamento, previsão no ato convocatório e ata, comprovação da vantajosidade e formalização adequada.
Salutar ainda que órgãos e entidades editem regulamentos acerca da (im)possibilidade de renovação de saldo de ARP em caso de prorrogação de vigência, reforçando a segurança jurídica para os gestores públicos, além de licitantes e contratantes.
Se você, como licitante ou contratante da administração pública, enfrentar situações que possam prejudicar seus direitos, é recomendável procurar a orientação de um advogado especializado em licitações e contratos administrativos para uma análise detalhada do caso e a defesa adequada de seus interesses.
MOAC Advogados Associados
[1] Advogado. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/DF. Membro da Comissão de Licitações e Contratos da OAB/DF. Servidor público efetivo do Senado Federal, onde atua como Coordenador de Planejamento e Controle de Contratações. Mestre em Direito pelo UniCeub. Administrador pela UnB. Especialista em Gestão Pública e Gestão Tributária e Aduaneira. Ocupou cargos públicos efetivos na Procuradoria-Geral da República e na Procuradoria-Geral do Trabalho. Autor da obra “Os óbices ao avanço da prática da consensualidade nas contratações públicas”, publicada em 2023. Autor da obra “Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, publicada em 2021. Autor de artigos publicados sobre contratações públicas. Professor e conteudista de cursos sobre a Nova Lei de Licitações e Contratos. Palestrante pelo Programa INTERLEGIS, que faz parte do Instituto Legislativo Brasileiro – SENADO.
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