RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Tratamos, em artigos e publicações anteriores, do instituto da Recuperação Judicial. Mas você, empreendedor, sabia que a Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005) também prevê e regula a Recuperação Extrajudicial?

Embora o instituto estabeleça uma série de benefícios ao empreendedor, inclusive comparado à recuperação judicial, ainda é pouquíssimo utilizado por empresários e sociedades.

Basicamente, na recuperação extrajudicial, a negociação entre credores e devedores ocorre fora do judiciário. O instituto busca dar maior liberdade e flexibilidade de negociação e incentivar soluções de mercado para superação da crise, com vantagens em custo e tempo.

Antes de tratarmos dos requisitos, procedimento e vantagens do instituto, cumpre-nos lembrar e esclarecer que a negociação com credores fora do judiciário independe da Recuperação Extrajudicial e, evidentemente, é uma possibilidade que decorre da própria liberdade contratual e da autonomia privada das partes. O que o instituto, no entanto, busca garantir, além da possibilidade de homologação judicial do acordo negociado extrajudicialmente, são maiores vantagens e incentivos à negociação e à superação da crise, quando presentes os requisitos.

 

I- DOS REQUISITOS

Estabelece o art. 161 da Lei n. 11.101/2005 que “o devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.”

Conforme já esclarecido, nota-se, de início, que o art. 161 carece de certa precisão ao dispor que o devedor “poderá negociar com credores”. Ora, a sociedade sempre poderá negociar com seus credores. O que o artigo, evidentemente, estabelece é a possibilidade do devedor homologar seu acordo através do instituto da recuperação extrajudicial, beneficiando-se assim das suas regras específicas.

Assim, esclarece o art. 167 que: “o disposto neste Capítulo não implica impossibilidade de realização de outras modalidades de acordo privado entre o devedor e seus credores.”

Como visto, o art. 161 estabelece os mesmos requisitos para recuperação judicial, quais sejam:

Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;

III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;         (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Além dos incisos supramencionados, o § 3º do art. 161 determina que: “o devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.”

 

II- RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL FACULTATIVA

A doutrina costuma dividir a recuperação extrajudicial em facultativa e impositiva. Será facultativa quando o devedor, em negociação extrajudicial, garantir a adesão de TODOS os credores ao plano de recuperação proposto e impositiva, quando houver credores dissidentes.

A homologação de acordo, em pedido de recuperação extrajudicial, quando há adesão plena, é facultativa em razão, como dito,  da liberdade contratual e do  princípio da força obrigatória dos contratos, que não exige chancela judicial.

No entanto, há duas importantes vantagens para a sociedade em crise que opta pela homologação com base no instituto aqui discutido: 1. a impossibilidade de os credores desistirem do plano, após a distribuição do pedido, salvo com a anuência expressa dos demais signatários (art. 161, § 5º); 2. a possibilidade de venda de filial ou unidade produtiva isolada sem sucessão das dívidas da sociedade pelo adquirente (art. 166).

 

III- RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL IMPOSITIVA

O art. 163 estabelece a recuperação extrajudicial, quando não há a concordância de todos os credores.

 O devedor poderá também requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial.

Essa talvez seja a grande vantagem do instituto: impor aos credores dissidentes o plano de recuperação aprovado pelos demais. A redação atual da LFRE, alterada pela  Lei n. 14.112/2020, estabelece como requisito que o plano seja aprovado apenas por mais da metade dos créditos de cada espécie. A redação original, mais dificultosa, exigia mais de três quintos.

Além disso, também fruto da reforma aprovada em 2020, estabelece o § 7º do art. 163 que o pedido de recuperação extrajudicial poderá ser apresentado com a anuência de 1/3 de todos os créditos de cada espécie. Nesse caso, deverá o devedor, durante o curso do procedimento e em até  90 (noventa) dias, contados da data do pedido,  atingir o quórum previsto no caput, qual seja: mais da metade.

Caso não consiga a aprovação mencionada, poderá ainda a sociedade em crise solicitar a conversão do procedimento em recuperação judicial. Para maior entendimento desse outro instituto, remetemos o leitor interessado para nosso artigo específico que trata do tema: https://moac.com.br/recuperacao-judicial-nocoes-basicas/ .

Registra-se ainda que, desde o final de 2020, a recuperação extrajudicial se aproximou, em benefícios, sobremaneira da judicial ao contemplar todas as dívidas existentes na data do pedido, exceto: os créditos de natureza tributária; e aqueles previstos no § 3º do art. 49 e no inciso II do caput do art. 86. A única diferença nesse ponto, agora, para recuperação judicial é a necessidade de negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional no que tange aos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho.

Como mencionado inicialmente, a flexibilidade é a grande marca da recuperação extrajudicial. Importante parte da doutrina aponta que essa é a principal vantagem do instituto em comparação com a recuperação judicial. Isso porque o plano de recuperação aqui não precisará abranger todos os credores. Vejamos o que estabelece o  § 1º do art. 163:

 O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstos no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de credores de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação.

Em outras palavras, poderá a sociedade propor plano que abarque apenas parcela da dívida, grupos determinados de credores, o que, por vezes, poderá ser suficiente para superação da crise.

Pra atingir o objetivo da Lei, o sistema brasileiro estabelece como fundamento a negociação entre a empresa devedora e os seus credores. Assim, conforme se verá mais adiante, quando tratarmos do procedimento, o objetivo imediato da recuperação judicial é viabilizar a negociação entre a devedora e seus credores. Daqui surge uma outra importante vantagem do instituto, o chamado STAY PERIOD.  Nos termos do art. 6º c/c Art. 163, § 8º, o pedido de recuperação extrajudicial implica:

I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;

II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;

III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

As suspensões e a proibição de que tratam os incisos supramencionado perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal .

O objetivo da norma é proporcionar uma tranquilidade mínima ao devedor para que possa elaborar seu plano de recuperação e negociá-lo com seus credores.

Importante registrar, por fim, que o stay period abarcará tanto os credores que anuíram com o plano, quanto, principalmente, os dissidentes.

 

IV- DO PROCEDIMENTO

O art. 164 estabelece o procedimento para a recuperação extrajudicial, vejamos:

Art. 164. Recebido o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial previsto nos arts. 162 e 163 desta Lei, o juiz ordenará a publicação de edital eletrônico com vistas a convocar os credores do devedor para apresentação de suas impugnações ao plano de recuperação extrajudicial, observado o disposto no § 3º deste artigo.      (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)

1º No prazo do edital, deverá o devedor comprovar o envio de carta a todos os credores sujeitos ao plano, domiciliados ou sediados no país, informando a distribuição do pedido, as condições do plano e prazo para impugnação.

2º Os credores terão prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação do edital, para impugnarem o plano, juntando a prova de seu crédito.

 

Na impugnação que menciona o artigo, no entanto, só poderão os credores alegar: não preenchimento do percentual mínimo previsto no caput do art. 163; atos fraudulentos, praticados com a intenção de prejudicar credores, em geral especificados no art. 94, inciso III; ou descumprimento de qualquer outro requisito previsto na Lei.

Apresentada a impugnação e aberto prazo de 5 (cinco) dias para que o devedor sobre ela se manifeste, os autos serão conclusos imediatamente ao juiz para apreciação, que decidirá, no prazo de 5 (cinco) dias, acerca do plano de recuperação extrajudicial. Por fim, entendendo pela sua total regularidade, o magistrado homologará o plano por sentença.

O § 8º do mesmo artigo apresenta outra importante vantagem, comparando-se à recuperação judicial:

 Na hipótese de não homologação do plano o devedor poderá, cumpridas as formalidades, apresentar novo pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial.

Na recuperação judicial, caso não haja aprovação do plano do devedor, tampouco apresentação de plano alternativo pelos credores, o juiz convolará a recuperação judicial em falência.

Ou seja, no instituto que aqui apresentamos, além de não existir o risco imediato de falência, presente na judicial, há ainda uma segunda chance para a sociedade em crise, o que torna o procedimento, além de mais flexível, mais seguro para o empreendedor.

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