As quotas preferencias nas sociedades limitadas

A partir de 2020, a  Instrução Normativa nº 81/2020, do Departamento do Registro Empresarial e Integração (Drei), passou a autorizar expressamente que as sociedades limitadas emitam as chamadas “quotas preferenciais”,  por meio da regência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas.

A origem e a base legal, portanto, são as ações preferenciais já consagradas nas Sociedades Anônimas regidas pela Lei n. 6.404/76.  Cabe registrar, embora extrapole o escopo do presente artigo, que as ações preferenciais enfrentam certo desprestígio nas Sociedades Anônimas de capital aberto já há algum tempo. Isso porque seu emprego está essencialmente associado à concentração de poder.  Ulhoa (2021) [1]explica ainda que com a difusão do movimento de governança corporativa e a criação do novo mercado, cada vez mais o respeito aos direitos dos minoritários passou a ser ingrediente de disputa das companhias pelo capital existente no mercado de valores mobiliários, tornando cada vez menos atrativas as chamadas ações preferenciais.

No entanto, entendemos que grande parte das sociedades limitadas, que – aliás – representam mais de 90% dos tipos societários em funcionamento no Brasil, possuem características próprias e que as quotas preferenciais podem ainda ser uma ferramenta valiosa para a organização de capital e atração de investimentos, proporcionando flexibilidade e segurança tanto para a empresa quanto para os investidores.

Ocorre que a despeito das atraentes possibilidades para os mais diversos tipos e tamanhos de empreendimentos, a experiência demonstra ainda uma clara subutilização do instituto. O que se percebe é que não há, como nas SAs ,um desprestígio, mas um desconhecimento. O singelo objetivo do presente artigo, portanto, é esclarecer – precipuamente para o empreendedor – o que são as chamadas quotas preferenciais e apontar exemplos úteis para a sua utilização. Cabe alertar ainda, no entanto, que solução societária adequada dependerá sempre da análise detalhada do caso concreto e que a quota preferencial nem sempre poderá ser a melhor opção.

Vamos direto ao ponto. As quotas de uma sociedade podem ser classificadas em duas espécies: ordinárias e preferenciais. Uma quota ordinária confere ao quotista os direitos de um sócio comum, não estabelecendo qualquer tipo de vantagem ou restrição  aos direitos que normalmente são atribuídos aos sócios de uma sociedade limitada. As quotas preferenciais, por sua vez, atribuem ao quotista uma conjugação de vantagens e restrições, um tratamento diferenciado em relação às ordinárias.

A diferenciação mais comum é: atribuir ao quotista preferencialista  vantagens na distribuição de dividendos, como garantias de dividendos mínimos ou recebimento de um valor fixo, ao passo que – em contrapartida – o seu direito de voto é limitado ou até mesmo suprimido.

Pensemos em um exemplo simples para ilustrar. Imagine-se que três amigos discutem a constituição de uma startup destinada ao desenvolvimento de um promissor aplicativo. O primeiro, um talentoso programador, ficará responsável pelo desenvolvimento; o segundo é um empreendedor nato, com experiência em gestão; e o terceiro, um herdeiro sem destino para seu patrimônio financeiro, com interesse restrito nos lucros que a sociedade em questão pode gerar.

Note-se que, nesse exemplo, poderiam ser atribuídas as quotas ordinárias (votantes) somente ao primeiro e ao segundo, já que o terceiro confortável amigo não faz questão de participar da administração do empreendimento. A esse poderiam ser reservadas as quotas preferenciais sem voto, com alguma vantagem em relação aos lucros para atraí-lo para o empreendimento.

Um outro exemplo de aplicação interessante do instituto seria no planejamento sucessório, quando a solução se encaminha para a constituição de uma holding patrimonial que concentrará o patrimônio da família e contará, em seu quadro societário, com gerações e perfis diversos.

Não é só. A mesma instrução normativa expressamente autorizou que as sociedades limitadas dividissem suas quotas em “classes” distintas. Em síntese, trata-se de um mecanismo de compatibilização dos mais diferentes interesses dos sócios de uma sociedade, na medida  em que permite à sociedade agrupar as quotas que conferem os mesmos direitos em classes, designando-as por uma letra (A, B, C etc.). A classe A possuirá limitações e privilégios próprios que não se confundem, no seu arranjo, com as demais.

Percebam aqui as inúmeras e criativas soluções que podem socorrer o empreendedor em uma melhor e mais justa organização da relação capital-trabalho, por exemplo, permitindo à sociedade atrair quotistas dos mais diferentes perfis e interesses.

 

[1] Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial : direito de empresa /. Fábio Ulhoa Coelho. – 23. ed. – São Paulo : Saraiva. 2021.

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