Parte 2 – A Desconsideração da personalidade jurídica  

Parte 2- A Desconsideração da personalidade jurídica  

Conforme vimos na Parte 1 desta série, a autonomia patrimonial, nos termos do art. 1.024 do Código Civil, garante que, “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”. A limitação de responsabilidade, assim, busca garantir que a responsabilidade de cada sócio seja restrita ao valor de suas quotas, protegendo seu patrimônio pessoal mesmo não restando bens à sociedade.

Aprendemos também que o objetivo  dos institutos é, protegendo o patrimônio pessoal do empreendedor em caso de insucesso, estimular a exploração de atividades econômicas, a qual sempre envolve algum grau de risco.

Considerando a finalidade clara da norma, não poderia ela também servir para proteger a sociedade ou seus respectivos sócios de eventuais abusos e fraudes.

Assim é que se estabelece no Código Civil e no Código de Processo Civil, um mecanismo denominado “desconsideração da personalidade jurídica”, que permite excepcionalmente, em processo judicial, a pedido de um credor ou do Ministério Público, a responsabilização dos proprietários (pessoas física ou jurídica) pelas dívidas da sociedade.

O art. 50 do Código Civil estabelece como requisito o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo (1) desvio de finalidade ou pela (2) confusão patrimonial. A nova redação dada ao artigo pela Lei da Liberdade Econômica esclarece o significado dos termos:

 

  • desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza;
  • confusão patrimonial é a ausência de separação entre os patrimônios da pessoa física e jurídica, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa.

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante.

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

 

Reitera-se que, conforme jurisprudência, a mera inexistência de bens suficientes para pagamento de dívida não enseja a desconsideração da personalidade jurídica. Como a medida é excepcional, deve estar previsto um dos requisitos acima elencados.

De todo modo, presentes as condições, ou seja, em caso de abuso da personalidade jurídica, conforme Enunciado n. 281  da Jornada de Direito Civil, a aplicação da teoria da desconsideração descrita no art. 50 do Código Civil, dispensa a demonstração de insolvência da pessoa jurídica. Em termos práticos: não há necessidade de se provar que a sociedade não possui mais bens.

O Enunciado 7 das Jornadas de Direito Civil ainda esclarece o alcance nesses casos: “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.”[1]

Em razão da alteração introduzida pela Lei da Liberdade Econômica, registre-se ainda que, para fins de caracterização do desvio de finalidade, passou a ser exigida a comprovação de dolo (intenção) de fraudar, lesar. Quanto à confusão patrimonial, não se exige qualquer intenção de causar prejuízo.

Assim, é que alertamos, por fim, que é na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica por confusão patrimonial que se encontra a maior armadilha do empreendedor probo, honesto. Utilização da conta da sociedade para pagamentos pessoais, uso indevido de cartão corporativo, transferências de bens da pessoa jurídica para a pessoa física, compra de automóvel em nome da sociedade para uso pessoal, entre outras medidas temerárias.

 

[1] Há decisão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu, entretanto, que: “Para os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, não há fazer distinção entre os sócios da sociedade limitada. Sejam eles gerentes, administradores ou quotistas minoritários, todos  serão alcançados pela referida desconsideração”. (REsp n. 1.250.582/MG).

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