O dirigismo nos contratos empresariais de Representação Comercial

Lembramos, inicialmente, que contratos empresariais possuem como marca principal a simetria entre os contratantes e, por consequência, maior liberdade contratual para as partes. O Enunciado 21 da Jornada de Direito Comercial sintetiza o raciocínio:  “Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais.”

No entanto, cuidado com os Contratos de Representação Comercial! Isso porque, além de se tratar de uma espécie de contrato de colaboração empresarial, para a qual grande parte da doutrina e jurisprudência já permitem maior dirigismo contratual, o Legislador optou por ceifar grande parte da liberdade dos contratantes.

A principal característica dos contratos de colaboração é a subordinação do colaborador para com o colaborado. Parte da doutrina entende haver, por consequência, uma assimetria apta a justificar uma maior intervenção do Estado na relação contratual. Embora discordemos por razões que fogem ao escopo do presente artigo, o fato é que, conforme já dito, tal entendimento encontra espaço também na jurisprudência. Registra-se que a subordinação aqui não é pessoal e, portanto, não conduz, ao menos em teoria, a um relação empregatícia.

Os Contratos de Representação Comercial são regidos pela Lei 4.886/65, alterada, posteriormente, pelas Leis 8.420/92 e 12240/10. Nos termos da própria Lei, trata-se de um contrato em que uma das partes, o representante, desempenha em caráter não eventual a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando proposta ou pedidos, para transmiti-los ao representado.

Ao contrário do que o nome possa nos induzir, aqui, em regra, não há mandato. Ou seja, o representante não possui poder para finalizar as vendas em nome do representado, sendo necessário, assim, que o último as aprove.

Estabelece o art. 27 que todo Contrato de Representação deve conter as seguintes cláusulas, obrigatoriamente:

  1. a) condições e requisitos gerais da representação;
  2. b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação;
  3. c) prazo certo ou indeterminado da representação;
  4. d) indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação;
  5. e) garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da exclusividade de zona ou setor de zona;
  6. f) retribuição e época do pagamento, pelo exercício da representação, dependente da efetiva realização dos negócios, e recebimento, ou não, pelo representado, dos valores respectivos;
  7. g) os casos em que se justifique a restrição de zona concedida com exclusividade;
  8. h) obrigações e responsabilidades das partes contratantes;
  9. i) exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado;
  10. j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.

 

Embora as alíneas supramencionados definam a estrutura mínima do contrato, com exceção da alínea “j”, que avança ao estabelecer parâmetros mais específicos para indenização, o artigo 27 abre possibilidade para estipulações diversas pelos contratantes. No entanto, a jurisprudência e a própria Lei em outros dispositivos acabam por cercear a liberdade das partes em diversas cláusulas. Vejamos três importantes limitações estabelecidas:

 

1- Apenas o primeiro contrato de representação celebrado entre as partes pode estabelecer prazo determinado:

 

Estabelece o § 2º do art. 27 que o contrato com prazo determinado, uma vez prorrogado, ainda que  expressamente, vigerá por prazo indeterminado. O § 3º vai além e dispõe que se considera “por prazo indeterminado todo contrato que suceder, dentro de seis meses, a outro contrato, com ou sem determinação de prazo”.

 

2- É nula a cláusula que prevê o pagamento antecipado da indenização devida ao representante comercial no caso de rescisão injustificada do contrato pela representada:

Prevê o art. 27, § 1º, da Lei n. 4.886/1965, que: “Na hipótese de contrato a prazo certo, a indenização corresponderá importância equivalente à média mensal da retribuição auferida até a data da rescisão, multiplicada pela metade dos meses resultantes do prazo contratual.”

O dispositivo por si só já limitada evidentemente a liberdade contratual das partes ao estipular regras claras em proteção ao representante. O STJ recentemente foi além e no REsp 1.831.947  decidiu que “é nula a cláusula que prevê o pagamento antecipado da indenização devida ao representante comercial no caso de rescisão injustificada do contrato pela representada”.

Era comum em contratos de representação a representada realizar espécie de provisão da indenização nos pagamentos mensais realizados aos representantes. No entanto, entendeu o STJ que tal cláusula seria ilegal  por desvirtuar o seu caráter indenizatório. Vejamos excerto:

 

  1. O pagamento antecipado, em conjunto com a remuneração mensal devida ao representante comercial, desvirtua a finalidade da indenização prevista no art. 27, “j”, da Lei 4.886/65, pois o evento, futuro e incerto, que autoriza sua incidência é a rescisão unilateral imotivada do contrato.
  2. Essa forma de pagamento subverte o próprio conceito de indenização. Como é sabido, o dever de reparar somente se configura a partir da prática de um ato danoso. No particular, todavia, o evento que desencadeou tal dever não havia ocorrido – nem era possível saber se, de fato, viria a ocorrer – ao tempo em que efetuadas as antecipações mensais.

 

3- É vedada no contrato de representação comercial a inclusão cláusulas del credere

A cláusula del credere, quando estabelecida em outras espécies de contrato, objetiva tornar o colaborador responsável pelas obrigações e riscos dos negócios por ele intermediados. No contrato de representação, corresponderia a permitir que  o representado descontasse os valores de comissões ou vendas do representante comercial, na hipótese da venda ou da transação ser cancelada.

Entretanto, o art. 43 da Lei n. 4.886/1965 veda expressamente:

Art. 43. É vedada no contrato de representação comercial a inclusão de cláusulas del credere.

 

 

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