O direito ao esquecimento em confronto com o direito à informação

O direito ao esquecimento tutela a pretensão de se retornar ao estado de anonimato, do qual se foi retirado pela ocorrência ou notícia do fato desabonador, o que deve ser realizado, especialmente, quando não acarretar prejuízo à liberdade de expressão, à memória histórica e ao direito de informar.

O exemplo mais comum citado pela doutrina é o chamado “caso Lebach”, julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão. Diante da clareza na descrição, cite-se o resumo elaborado por Márcio André Lopes Cavalcante:

A situação foi a seguinte: em 1969, quatro soldados alemães foram assassinados em uma cidade na Alemanha chamada Lebach.

Após o processo, três réus foram condenados, sendo dois à prisão perpétua e o terceiro a seis anos de reclusão.

Esse terceiro condenado cumpriu integralmente sua pena e, dias antes de deixar a prisão, ficou sabendo que uma emissora de TV iria exibir um programa especial sobre o crime no qual seriam mostradas, inclusive, fotos dos condenados e a insinuação de que eram homossexuais.

Ele ingressou com uma ação inibitória para impedir a exibição do programa.

A questão chegou até o Tribunal Constitucional Alemão, que decidiu que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e sua vida privada.

Assim, naquele caso concreto, entendeu-se que o princípio da proteção da personalidade deveria prevalecer em relação à liberdade de informação. Isso porque não haveria mais um interesse atual naquela informação (o crime já estava solucionado e julgado há anos). Em contrapartida, a divulgação da reportagem iria causar grandes prejuízos ao condenado, que já havia cumprido a pena e precisava ter condições de se ressocializar, o que certamente seria bastante dificultado com a nova exposição do caso. Dessa forma, a emissora foi proibida de exibir o documentário.[1]

Cabe destacar que, para alguns, se trata de direito autônomo inerente à personalidade humana. É nesse sentido o Enunciado 531 do CJF:

A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

São duas as concepções para o direito ao esquecimento: a) direito ao esquecimento com a finalidade de proteção de dados pessoais; e b) direito à não veiculação de informações desprovidas de atualidade e valor histórico, mas ofensivas a direitos subjetivos.

A primeira concepção, atualmente, vem sendo tratada por meio da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, Lei n. 13.709, de 2018. A segunda concepção, por outro lado, é a mais comumente debatida por nossa doutrina e nossos Tribunais Superiores.

No informativo de Jurisprudência em Teses do STJ, podemos citar dois enunciados que transparecem o entendimento daquele Sodalício:

Jurisprudência em Teses (Ed. 137)

10) A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento, ou seja, o direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores à honra.

11) Quando os registros da folha de antecedentes do réu são muito antigos, admite-se o afastamento de sua análise desfavorável, em aplicação à teoria do direito ao esquecimento.

Destaque-se dois julgamentos do STJ que trataram o tema: 1) o primeiro é referente ao homicídio da atriz Daniela Perez, ocorrido em dezembro de 1982, em uma floresta da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro; e 2) o segundo refere-se a um caso de uma Promotora do Rio de Janeiro que havia sido investigada anteriormente por fraude em um concurso para provimento do cargo de Juiz, sendo posteriormente absolvida, mas que, quando se digitava única e exclusivamente o seu nome no Google, apenas apareciam notícias relacionadas a essa suposta fraude, sem nenhuma menção à sua absolvição.

No primeiro caso, houve uma matéria jornalística publicada pela revista “Isto é”, em 2012 – 30 anos após os fatos –, descrevendo como estava a vida de uma das pessoas condenadas pelo crime, que estava casada e com filhos menores de idade, havendo, inclusive, exposição de suas fotos, de seu marido e de seus filhos, que, repita-se, eram crianças. Diante disse, buscou o Judiciário com o objetivo de obter indenização por dano moral e de ver reconhecido o direito ao esquecimento dos fatos delituosos anteriormente praticados. Nesse caso, a 3ªTurma do STJ assim decidiu:

Em caso de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, não se pode proibir a veiculação de matérias jornalísticas relacionados com o fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Em tal situação, não se aplica o direito ao esquecimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 28/04/2020 (Informativo n. 670).

Por outro lado, o STJ condenou a editora pela exposição da intimidade dos filhos e de seu marido, uma vez que não possuíam qualquer relação com o fato criminoso anteriormente praticado, não havendo que se falar em interesse social na veiculação de matérias nesse ponto.

Já no segundo caso, o Google foi condenado a romper o vínculo estabelecido pelo provedor de busca entre o nome da prejudicada, quando utilizado como critério exclusivo de busca, e a notícia desabonadora. Decidiu-se que somente deveriam aparecer os resultados sobre a suposta fraude no anterior concurso quando fosse indicada alguma palavra relacionada a isso. Cite-se alguns trechos do julgado:

É possível determinar o rompimento do vínculo estabelecido por provedores de aplicação de busca na internet entre o nome de prejudicado, utilizado como critério exclusivo de busca, e a notícia apontada nos resultados.

O rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza também os interesses individual do titular dos dados pessoais e coletivo de acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos dados pessoais do indivíduo protegido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.660.168-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/05/2018 (Info 628).

A novidade é que, agora, no ano de 2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em sede de Repercussão Geral, que não é compatível com a Constituição Federal o direito ao esquecimento, quando relacionado à pretensão de impedir divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante. A tese fixada foi a seguinte:

É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. STF. Plenário. RE 1010606/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/2/2021 (Repercussão Geral – Tema 786) (Info 1005).

E você? É favorável a ideia do direito ao esquecimento?

[1] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O ordenamento jurídico brasileiro não consagra o denominado direito ao esquecimentoo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/10fb6cfa4c990d2bad5ddef4f70e8ba2>. Acesso em: 15/09/2021

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