O somatório de “Atestados de Capacidade Técnica” em licitações

Alexandre Mattos de Freitas

Inicialmente, cumpre ressaltar que a exigência de comprovação de qualificação técnica pela Administração tem por objetivo verificar se as empresas licitantes possuem habilidade, aptidão ou capacidade técnica para a execução da pretensão contratual.

Em outras palavras, essa exigência de comprovação aos licitantes se traduz em uma precaução da administração de que essa não dispenda enormes esforços de tempo e recursos em uma licitação e, ao final, contrate uma empresa aventureira que, a rigor, não possui condições técnicas de executar o que é demandado pelo órgão ou entidade.

Ocorre que essas exigências da administração quanto à habilitação técnica das licitantes não podem ser ilimitadas. Isso porque a Constituição Federal dispõe no seu art. 37, inciso XXI que a Administração “somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

Ou seja, a nossa Constituição prescreve que a inserção de exigência de qualificação técnica deve ter motivação expressa no sentido de que efetivamente se preste ao cumprimento das obrigações, sob pena de violar a regra geral de competitividade e isonomia, o que pode ensejar, inclusive, a não obtenção da proposta mais vantajosa pela administração.

A competitividade e a isonomia, além de princípios que devem ser observados pela administração nas contratações públicas, conforme se observa do art. 5° da Lei n° 14.133/2021, são também objetivos a serem perseguidos no processo licitatório. Veja-se:

Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:

(…)

II – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição; (nosso grifo)

Assim, mister ressaltar que o agente público deve ter muito cuidado ao elaborar o termo de referência da licitação para não acabar por inserir exigências de capacitação técnica que restrinjam a competitividade, também em obediência ao art. 9°, I, “a” da Lei n° 14.133/2021:

 

Art. 9º É vedado ao agente público designado para atuar na área de licitações e contratos, ressalvados os casos previstos em lei:

I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que:

a) comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do processo licitatório (…); (nosso grifo)

Feito esses esclarecimentos, passa-se ao cerne desse pequeno texto, qual seja, a análise da vedação pela Administração quanto ao somatório dos atestados de capacidade técnica em licitações.

Por vezes, a Administração insere em seus termos de referência e editais que a comprovação de habilitação de capacidade técnica só pode se dar por meio de apresentação de um atestado de capacidade técnica, vedando que a comprovação se dê pela soma de atestados. Quando ela insere essa disposição desacompanhada de estudos e fundamentação técnica de que a restrição é efetivamente necessária, acaba por incorrer em ilegalidade, como será visto a seguir.

De longa data, o Tribunal de Contas da União – TCU tem a posição de que a vedação de somatório de atestados de capacidade técnica é medida excepcional, sendo uma restrição que só pode ser adotada no caso concreto quando o aumento dos quantitativos do serviço acarretarem:

    • um aumento da complexidade técnica; ou
    • uma desproporcionalidade entre quantidades e prazos para a execução do objeto.

Esses parâmetros se fazem presentes de forma evidente na Corte de Contas Federal desde o Acórdão 2.150/2008-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Valmir Campelo, conforme excerto a seguir:

9.7. determinar, ainda, (…), que, nas próximas licitações com recursos federais (…), limite as exigências de habilitação dos licitantes aos termos preconizados nas normais federais pertinentes ao assunto, observando, em específico, o seguinte: (…)

9.7.2. somente limite o somatório de quantidades de atestados para a comprovação de capacidade técnico-operacional dos editais nos casos em que o aumento de quantitativos do serviço acarretarem, incontestavelmente, o aumento da complexidade técnica do objeto ou uma desproporção entre as quantidades e prazos para a sua execução, capazes de ensejar maior capacidade operativa e gerencial da licitante e de potencial comprometimento acerca da qualidade ou da finalidade almejada na contratação da obra ou serviços; (nosso grifo)

 

O mesmo entendimento, de que a vedação de somatório dos atestados de capacidade técnica deve ser medida excepcional e observar os requisitos acima delineados, encontra-se desde então espraiado em inúmeras decisões do TCU, a exemplo dos Acórdãos 3.213/2014-TCU-Plenário (Relator Ministro Bruno Dantas)[1]; 7.982/2017-TCU-2ª Câmara (Relatora Ministra Ana Arraes); e 2.646/2015-TCU-Plenário (Relator Ministro Weder de Oliveira).

Cabe ressaltar que, mesmo com o advento da nova lei de licitações, o entendimento do TCU não mudou e seguiu prescrevendo como regra geral a vedação da limitação do número de atestados de capacidade técnica, devendo as exceções seguirem condicionantes definidas e estarem justificadas em estudos técnicos nos autos do processo de contratação.

Prova disso é o recente Acórdão n° 1153/2024-TCU-Plenário[2], que, já sob a égide da Lei n° 14.133/2021, reafirmou uma vez mais o entendimento pacífico do TCU. Nesse Acórdão, o Ministro Relator Bruno Dantas colacionou em seu voto outros inúmeros julgados que vão no sentido de que a vedação de somatórios de atestados é, a princípio, medida restritiva da competitividade, devendo ser tecnicamente justificada nos autos da contratação pela administração. Veja-se:

“A vedação, sem justificativa técnica, ao somatório de atestados para comprovar os quantitativos mínimos exigidos na qualificação técnico-operacional contraria os princípios da motivação e da competitividade.”

Acórdão 2.291/2021-TCU-Plenário, relator Ministro Bruno Dantas.

“A vedação ao somatório de atestados, para o fim de comprovação da capacidade técnico-operacional, deve estar restrita aos casos em que o aumento de quantitativos acarretarem, incontestavelmente, o aumento da complexidade técnica do objeto ou uma desproporção entre quantidades e prazos de execução, capazes de exigir maior capacidade operativa e gerencial da licitante e ensejar potencial comprometimento da qualidade ou da finalidade almejadas na contratação, devendo a restrição ser justificada técnica e detalhadamente no respectivo processo administrativo.”

Acórdão 7.105/2014-TCU-2ª Câmara, relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer.

 

Dito de outra forma, a administração deve se desincumbir do ônus de motivar nos autos do processo que o aumento dos quantitativos do serviço acarretam inequivocamente (i) um aumento da complexidade técnica; ou (ii) uma desproporcionalidade entre quantidades e prazos para a execução do objeto, condicionantes essas previstas desde o advento do Acórdão 2.150/2008-TCU-Plenário, que, como visto, foram reiteradas por incontáveis julgados do TCU, a exemplo do Acórdão n° 1153/2024-TCU-Plenário, esse já exarado sob a égide da Lei n° 14.133/2021.

Ademais, cumpre ressaltar que a possibilidade de somatório de atestados de capacidade técnica era permitida no estatuto revogado de licitações e contratos, mais precisamente no art. 33, III da Lei n° 8.666/1993; bem como continua a ser permitida na nova norma geral de licitações, consoante art. 15, III da Lei
n° 14.133/2021[3].

Assim, cabe ressaltar que, quando o licitante se depara com restrições indevidas em um edital de licitação deve impugnar o edital, buscando a mudança desse instrumento convocatório, a fim de que permita a sua participação no certame, atendendo aos objetivos do processo licitatório de que haja tratamento isonômico e de justa competição (art. 11, II, da Lei n° 14.133/2021).

 Para a feitura de pedidos de esclarecimentos e impugnações aos editais de licitações, busque um profissional especializado para assessorar a sua empresa, a fim de que ela não tenha sua atividade prejudicada, bem como direitos violados em certames públicos.

 

[1]       No Acórdão 3.213/2014-TCU, o Ministro Relator Bruno Dantas asseverou: “Nesse sentido, a jurisprudência majoritária do TCU, embora admita exceções, apregoa que ‘é vedada a imposição de limites ou de quantidade certa de atestados ou certidões para fins de comprovação de qualificação técnica, salvo se a natureza da obra ou do serviço assim o exigir, devendo, nesse caso, a pertinência e a necessidade estarem justificadas em estudos técnicos nos autos do processo’, a exemplo dos Acórdãos 981/2008, 2.439/2008 e 772/2009, todos do Plenário.

Nesse contexto, firmo meu convencimento no sentido de que a limitação do número de atestados para a comprovação de experiência anterior na execução dos serviços não foi proporcional, nem compatível com as características técnicas do empreendimento, e ainda se mostrou suficiente a influir no caráter competitivo do certame, contrariando a jurisprudência predominante desta Corte de Contas, com prejuízo, ainda, aos princípios da isonomia e da contratação mais vantajosa para a administração.”

[2]        Trata-se de Acórdão que foi amplamente divulgado em sites especializados de licitações e contratos justamente por tratar-se da primeira decisão do TCU após publicação da Lei n° 14.133/2021, em que o Tribunal reforçou o conteúdo de julgados anteriores, de que a vedação ao somatório de atestados é, em regra, medida que restringe a competitividade e que só pode ser feita mediante condicionantes, devidamente previstas em estudos acerca do aumento da complexidade técnica da contratação. Veja-se:

1)     https://sgpsolucoes.com.br/site/tcu-esclarece-criterios-para-vedacao-do-somatorio-de-atestados-em-licitacoes/ e

2) https://licitar.digital/pode-haver-somatorio-de-atestados-para-fins-de-comprovacao-tecnica-operacional/#:~:text=A%20veda%C3%A7%C3%A3o%20ao%20somat%C3%B3rio%20de,de%20execu%C3%A7%C3%A3o%2C%20capazes%20de%20exigir

[3]     Lei 14.133/2021 – Art. 15. (…), pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio, observadas as seguintes normas: (…) III – admissão, para efeito de habilitação técnica, do somatório dos quantitativos de cada consorciado e, para efeito de habilitação econômico-financeira, do somatório dos valores de cada consorciado; (…).

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