Alienação Fiduciária

Você sabe exatamente o que é uma “alienação fiduciária”?

 

A alienação fiduciária é um contrato com a finalidade de dar algum bem (móvel ou imóvel) em garantia a uma obrigação, normalmente um mútuo (empréstimo). Com esse contrato, uma das partes aliena[1] em fidúcia[2] um bem para outra parte (normalmente uma instituição financeira), ficando esta parte obrigada a devolver o bem à outra, se e quando houver o completo pagamento da obrigação assumida.

É isso mesmo. Por exemplo, quando você compra um imóvel em alienação fiduciária, em termos jurídicos, você no mesmo ato comprou e vendeu à instituição financeira para garantir o empréstimo tomado para a compra desse mesmo bem.

No entanto, esse contrato é firmado com uma chamada “condição resolutiva”, que obriga o credor fiduciário[3] a devolver o imóvel ao fiduciante[4] na hipótese de completo pagamento da obrigação.

Para facilitar a compreensão, segue um exemplo:

João deseja comprar um carro 0km que custa R$100.000,00 reais. No entanto, ele só possui em sua conta R$ 50.000,00 reais.

Ele vai à concessionária e compra esse carro dando os R$ 50.000,00, de entrada. Os outros R$ 50.000,00 serão emprestados por uma instituição financeira, que, para garantir esse mútuo, toma esse mesmo carro como garantia, em um contrato de alienação fiduciária. Às vezes não percebemos isso porque ambas as operações (compra e venda e alienação fiduciária) ocorrem no mesmo contrato.

Dessa forma, o banco será o proprietário fiduciário desse carro até que haja o efetivo e integral pagamento do empréstimo por parte de João, quando então será implementada a condição resolutiva e o banco devolverá a propriedade ao João.

 

Os contratos de alienação fiduciária mais comuns são aqueles realizados para a compra de carros e aquisição de imóveis.

Incorporação imobiliária envolvendo imóveis

Incorporação imobiliária designa a iniciativa do empreendedor que, com a venda antecipada das unidades autônomas, obtém capital necessário para construção de edifício de apartamentos, sob o regime condominial.

Essa incorporação imobiliária pode ser instituída sob o regime de afetação, a critério do incorporador, que vincula o patrimônio da incorporação às dívidas com ela relacionadas. Ou seja, no regime de afetação, o patrimônio da incorporação imobiliária não poderá ser atingido por dívidas estranhas à respectiva incorporação, não sendo alcançada, por exemplo, em caso de falência ou de dívidas trabalhistas da empresa incorporadora.

É importante destacar, ainda, que caso a unidade imobiliária “na planta” tenha sido adquirida com pacto adjeto de alienação fiduciária, o registro desse contrato possui natureza constitutiva. Nesse sentido, foi decisão prolatada pela 3ª Turma do STJ no âmbito do REsp 1.835.598-SP:

No regime especial da Lei 9.514/97, o registro do contrato tem natureza constitutiva, sem o qual a propriedade fiduciária e a garantia dela decorrente não se perfazem. Na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, como determina o art. 23 da Lei nº 9.514/97, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor. STJ. 3ª Turma. REsp 1.835.598-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/02/2021.

Vamos analisar agora a seguinte situação: João comprou um imóvel na planta (incorporação imobiliária). Como não possuía todo o dinheiro, firmou um contrato de alienação fiduciária com a construtora/incorporadora com o objetivo de garantir o empréstimo dado, pelo qual ficou obrigado a pagar, durante 240 prestações mensais, o valor de X. Após o pagamento das 60 primeiras parcelas, cansou e resolveu desistir dessa compra e venda. Para isso, ajuizou uma ação de resolução do contrato pedindo a devolução de todo o dinheiro pago, exceto eventual multa, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Vale ressaltar que o contrato de compra e venda do imóvel era irretratável.

Pergunta-se: ele pode fazer isso?

Sim, mas o prejuízo de João pode ser enorme. Por quê?

Como já vimos, o contrato objeto de análise é regulado pelo CDC. Assim, com base nessa lei, especialmente o disposto no art. 53, os compradores passaram a ajuizar ação de resolução[5] de contrato de compra e venda de imóvel na planta, objetivando a devolução do imóvel à construtora/incorporadora com a devolução de todos os valores pagos, exceto multa a ser arbitrada. Essa multa é aplicada pelo Judiciário em percentual que varia de 10% a 25% do valor total já pago, podendo chegar a 50% quando houver patrimônio de afetação[6] nos contratos firmados após 28 de dezembro de 2018, data de entrada em vigor da Lei n. 13.786.

No entanto, no nosso caso, há uma pequena – mas importante – diferença.

Houve contrato de alienação fiduciária, o que atrai a incidência também da Lei n. 9.514/97, que possui um regramento próprio para a extinção dos contratos em caso de inadimplemento.

Por essa lei, havendo inadimplemento, a propriedade será consolidada em nome do credor fiduciário[7], que deverá fazer um leilão para a venda do imóvel (exemplo: leilão de imóveis da Caixa Econômica). Com o valor da venda desse imóvel no leilão, serão pagas todas as despesas, inclusive o empréstimo, e, caso sobre dinheiro (o que nem sempre ocorre), haverá a devolução. Percebe-se, assim, que pode ocorrer a situação de a pessoa pagar o empréstimo por anos, ficar inadimplente, perder o imóvel e no final não receber nada!

 

Ué. Mas houve inadimplemento?

Houve sim! O inadimplemento não decorre apenas do não pagamento das parcelas no prazo. Pode ocorrer por atitudes do contratante que demonstrem sua contrariedade à manutenção do contrato, mesmo que as parcelas estejam sendo pagas, havendo a violação da força obrigatória dos contratos[8]. É a chamada quebra antecipada do contrato (antecipatory breach).

Nessa última hipótese, é precisamente o que ocorre no nosso caso, tendo em vista que o ajuizamento de ação de resolução de compra e venda com pacto acessório de alienação fiduciária, pedindo a suspensão dos pagamentos, demonstra a ausência de interesse na continuidade do compromisso firmado, configurando seu inadimplemento.

E aí? O que vai acontecer com o contrato firmado por João?

Os nossos Tribunais oscilam muito nessa discussão, ora prevalecendo pela aplicação do regramento do CDC, que permite a resolução do contrato com a devolução dos valores já pagos, abatida a multa; ora prevalece a aplicação da Lei n. 9.514/97, que atrai regramento dos arts. 26 e 27.

No Recurso Especial de n. 1.867.209-SP, julgado recentemente pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em um caso bastante similar ao nosso, decidiu-se pela obrigatoriedade da aplicação do procedimento dos arts. 26 e 27 da Lei n. 9.514/97.

Vale ressaltar que foi interposto Embargos de Divergência[9] com o objetivo de pacificar o entendimento a ser adotado em situações semelhantes, ainda pendente de decisão.

 

Estou em uma situação semelhante. O que faço?

 

Nós podemos te ajudar!

[1] Alienar = vender.

[2] Fidúcia = em confiança.

[3] Credor fiduciário = aquele para quem o bem foi vendido em confiança como garantia.

[4] Fiduciante = aquele que deu o bem em garantia.

[5] Popularmente conhecida como rescisão contratual.

[6] Patrimônio de afetação, na prática, nada mais é do que a constituição de uma pessoa jurídica específica para empreendimento imobiliário, ficando aquele patrimônio vinculados àquele empreendimento.

[7] Isso significa que a propriedade da instituição financeira não é mais resolúvel, ou seja, não é mais passível de extinção pelo pagamento da obrigação.

[8] Pacta sunt servanda.

[9] Espécie de recurso.

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