DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES CONTRATUAIS

Conforme lembra André Santa Cruz Ramos[1], inicialmente é importante pontuar que, no direito brasileiro, há dois regimes distintos de dissolução de sociedades: um aplicável às sociedades contratuais (sociedades simples e limitadas) e outro aplicável às chamadas sociedades institucionais (sociedades anônimas). Nesta pequena publicação, tratamos exclusivamente da dissolução parcial em sociedades contratuais, regulamentada pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil.

 

I – DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE

O contrato de sociedade pode ser objeto de dissolução total, gerando a extinção da sociedade, ou parcial, quando há a resolução ou resilição do contrato de sociedade em relação a um ou mais sócios, sem a mencionada extinção.

A dissolução total, segundo o art. 1.033, ocorre quando:

I –  nas sociedade por prazo determinado, ocorrer o vencimento previsto no contrato social;

III – nas sociedades por prazo indeterminado, houver deliberação dos sócios em assembleia, por maioria absoluta; ou ainda

III –  houver o consenso unânime dos sócios quanto ao seu encerramento.

 

Embora não seja o foco do presente artigo, ressalta-se que, conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho[2], a dissolução como procedimento de terminação da

personalidade jurídica compreende três fases: 1. ato dissolutório, 2. a liquidação (solução das pendências obrigacionais da sociedade) e a 3. partilha (repartição do acervo entre os sócios).

 

II.I – DISSOLUÇÃO PARCIAL

A dissolução parcial, conforme também o próprio Código Civil, ocorre nas hipóteses de morte de sócio, retirada ou exclusão.

 

II.I.i – Morte de Sócio

No caso de morte de algum sócio, o art. 1.028 do Código Civil determina a LIQUIDAÇÃO da quota do falecido, salvo:

I – se o contrato dispuser diferentemente;

II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; ou

III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Em outras palavras: se o meu contrato social for omisso, salvo acordo, os herdeiros não poderão ingressar na sociedade, devendo, no entanto, ser apurado o valor das quotas em balanço especial.

O Manual de Registro de Sociedades Limitadas, Instrução Normativa do DREI nº 81, de 2020 estabelece ainda que, na hipótese de não existir interesse de continuidade da sociedade com os herdeiros, a alteração do contrato social com a respectiva redução do capital independe da apresentação de alvará e/ou formal de partilha e da vontade dos herdeiros do sócio falecido.

 

II.I.ii – Retirada

A retirada nada mais é que a decisão unilateral de saída de um sócio. Nas sociedades por prazo indeterminado, embora grande parte da doutrina – com a qual nos filiamos –  discorde, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que se trata de um direito incontroverso (potestativo) de qualquer sócio de sociedades contratuais. Traduzindo: qualquer sócio tem o direito de se retirar, a qualquer tempo da sociedade, e nenhum outro sócio pode se opor a isso.

Nesse caso, basta o sócio retirante notificar aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias. No entanto, nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução total da sociedade.

Vejamos um julgado interessante que trata do tema:

O direito de retirada de sociedade constituída por tempo indeterminado, a partir do Código Civil de 2002, é direito potestativo que pode ser exercido mediante a simples notificação com antecedência mínima de sessenta dias (art. 1.209), dispensando a propositura de ação de dissolução parcial para tal finalidade. (REsp 1602240/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016).

 

A Instrução Normativa do DREI nº 81, de 2020 regulamenta o procedimento após a notificação:

a) passado o prazo, deverá ser providenciado arquivamento da notificação, que poderá ser por qualquer forma que ateste a cientificação dos sócios;

b) a junta anotará no cadastro da empresa a retirada do sócio;

c) a sociedade deverá, na alteração contratual seguinte, regularizar o quadro societário.

 

Registra-se que, nas sociedades por prazo determinado, a retirada exige procedimento judicial e justa causa.

 

II.I.iii – Exclusão de Sócio

Segundo o Código Civil, pode-se excluir da sociedade o sócio: 1. remisso (art. 1.058), 2. falido/insolvente/executado (art. 1.030, parágrafo único), 3. com incapacidade superveniente (art. 1.030), ou 4. faltoso (art. 1.030).

O sócio remisso ócio remisso é aquele que não cumpre com a sua obrigação de contribuir para a formação do capital social. Em termos mais técnicos, é aquele que subscreveu uma determinada quantidade de quotas e não integralizou o respectivo capital na forma e/ou prazo estipulado.

O sócio remisso, por iniciativa da maioria dos demais sócios, poderá ser excluído da sociedade, em procedimento extrajudicial.

O sócio eventualmente declarado falido ou civilmente insolvente, bem como o sócio cuja quota for liquidada por dívida particular, serão, de pleno direito, excluídos da sociedade.

Quando houver a incapacidade superveniente do sócio, o Poder Judiciário deverá ser acionado para decidir sobre o caso com base no impacto da incapacidade para a sociedade.

Abriremos um tópico específico para tratar da exclusão do sócio faltoso, em razão da sua complexidade e importância.

 

II.I.iii.i – A exclusão de Sócio faltoso

Inicialmente, registra-se que, nos termos do próprio código civil, essa hipótese visa permitir a exclusão de sócios apenas nas chamadas faltas graves. Ou seja: nos atos que prejudicam a empresa ao ponto de colocar em risco a sua própria existência.

Nesses casos, o Código Civil prevê duas possibilidades: a exclusão extrajudicial e a exclusão judicial do sócio faltoso.

O art. 1.085 determina que: “quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.’

Ademais, a exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

Desses dispositivos podemos extrair três requisitos básicos para a exclusão do sócio extrajudicialmente: (1) deliberação da maioria do capital social, (2) atos de inegável gravidade e risco para a sociedade, (3) previsão expressa no contrato da possibilidade de exclusão por justa causa.

Conclui-se ainda, a contrario sensu, não ser possível a exclusão de um sócio majoritário sem o socorro do judiciário. Além disso, quando o contrato é omisso, não prevendo expressamente a hipótese de exclusão por justa causa, a única saída também será a judicialização.

O art. 1.030 regula a hipótese de exclusão judicial: “pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações”.

Nota-se aqui que a mais relevante diferença do instituto está no quórum de deliberação. Além disso, ressalta-se que se trata de um quórum de deliberação para propositura da ação de dissolução parcial de sociedade.

A despeito da imprecisão da norma, o Enunciado nº 216/CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, esclarece que o quórum de deliberação previsto no art. 1.030 do Código Civil de 2002 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios.

Isso significa que o quórum necessário para exclusão judicial de sócio majoritário não inclui as suas quotas.

 

III – APURAÇÃO DE HAVERES

Como sempre alertamos, cumpre, por fim, esclarecer como será apurado e pago o valor das quotas do sócio retirante, expulso ou dos herdeiros, caso seu contrato social seja omisso.

Nesse caso, aplica-se a regra geral do Código Civil, que determina que com base na situação patrimonial da sociedade, verificada em balanço especialmente levantado, as quotas liquidadas deverão ser pagas em dinheiro, no prazo de noventa dias

Nesse caso, o capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

Ante o exposto, a fim de que a sociedade não corra risco com a repentina necessidade de descapitalização, é extremamente importante que se discipline no contrato social, de maneira adequada à realidade da sociedade, além da expressa previsão de exclusão extrajudicial: o critério de apuração dos haveres, a forma e o prazo de pagamento, os direitos do sócio durante a apuração dos haveres.

Por fim, esclarecemos que, após a data da resolução, o ex-sócio, o espólio ou os sucessores terão direito apenas à correção monetária dos valores apurados e aos juros contratuais ou legais.

 

 

[1] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. São Paulo: Método, 2016.

 

[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol.2: Direito de empresa. 16.ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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