Investimento-anjo

I- TIPOS DE INVESTIMENTO

Durante a vida de um empreendimento, diversas podem ser as formas de financiamento da sua atividade. Além da captação interna de investimentos, ou seja, do aporte pessoal dos empreendedores no próprio negócio (boostraping), pode ser necessária a captação de recursos externos.

A ordem usual de financiamento externo de novos negócios, que considera o valor do investimento e o tempo, costuma se iniciar com a estratégia “FFF” (Family, Friends, Fools). Aqui, os empreendedores buscam apoio financeiro de familiares, amigos e “tolos”, pessoas próximas sem conhecimento para auxiliar a empresa.

Quando os recursos acima mencionados não são suficientes, o investimento-anjo surge como uma solução para alguns negócios. Este tipo de investimento gira em torno de R$ 50 mil a R$ 500 mil, podendo ser aportado por um investidor ou por um grupo de investidores a fim de diluir os riscos.

Antes de seguirmos, vejamos as demais opções ao alcance das empresas a depender dos seus objetivos, tamanho e maturidade e que serão abordadas em publicações futuras[1]:

 

 

II- O INVESTIMENTO-ANJO

O termo investidor-anjo foi cunhado nos Estados Unidos (Angel Investor ou Business Angel), no início do século XX, para designar as pessoas que investiam em  produção de peças da Broadway, assumindo seus riscos e participando de seus eventuais lucros[2].

Hoje, no mundo todo, o termo refere-se aos investidores que aportam capital próprio em empreendimentos iniciantes com grande potencial de crescimento, as chamadas startups. Além disso, usualmente, o investidor-anjo é alguém com conhecimento e expertise em gestão ou no objeto do novo empreendimento, contribuindo, assim, também com seu capital intelectual, apoiando o empreendedor em todo o percurso de maturação do novo negócio (smart-money).

No Brasil, esse modelo de investimento, embora, evidentemente, já acontecesse na prática no mercado, somente a partir de 2016 passou a ser disciplinado na Lei n. 123/2006, através de novos dispositivos introduzidos pela Lei Complementar nº 155/2016 (Lei do investidor-anjo).

Além disso, recentemente, no dia 1º de junho de 2021, finalmente foi sancionada a LC n. 182/2021, que instituiu o marco legal das startups e alterou, entre outras normas, os dispositivos da Lei Complementar nº 123 que tratam do tema.

Embora alguns dispositivos sejam alvos de legítimas críticas, notadamente em razão do cerceamento de parte da liberdade contratual, é inegável que os diplomas trouxeram maior segurança jurídica para empresas e investidores.

O novo marco legal estabelece que o investimento em startups poderá ser operacionalizado, nos termos do seu art. 5º, dentre outras formas, por: (i) contratos de opção de subscrição de ações ou de quotas; (ii) contratos de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa; (iii) estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa; (iv) contratos de investimento-anjo na forma da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro 2006.

A partir da regulamentação estabelecida pelas Leis brasileiras, surge a necessidade de pontuarmos a diferença entre o agente econômico “investidor-anjo”, que até aqui abordamos, com origem na Broadway, e o instituto jurídico, mais restritivo, instrumentalizado pelo contratos de investimento-anjo na forma da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro 2006.

Embora usualmente se denomine no mercado como “investimento-anjo” todo aporte que se enquadre nas características aqui discriminadas, juridicamente é importante a precisão terminológica.

Cumpre esclarecer, portanto, que, a partir daqui, trataremos especificamente do instituto jurídico disciplinado pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro 2006, instrumentalizado pelo contrato de participação de investidor-anjo.

Em publicações futuras, traremos em detalhe os outros tipos de avença para investimentos em startups, dentre eles, o mais utilizado: o mútuo conversível em participação societária.

 

III. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO DE INVESTIDOR-ANJO

O art. 2º do novo marco legal conceituou o investidor-anjo como: “investidor que não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes”

A partir do conceito estabelecido pela própria norma combinado com outros dispositivos, podemos extrair e desenvolver algumas importantes características desse tipo de contrato.

Sobre os aportes, nos termos do art. 61-A da LC 123/2006, o investimento-anjo na sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte não integrará o capital social da empresa. Esse investimento, inclusive, poderá ser feito por pessoa física, por pessoa jurídica ou por fundos de investimento.

Além disso, o valor investido não será considerado para fins de enquadramento como ME/EPP (art. 61-A, § 5º). Tal previsão é importante para empresas pequenas que eventualmente recebam grandes aportes de capital, na medida em que garante, a despeito do grande volume de investimento, a manutenção de um enquadramento tributário mais favorável.

Agora a Lei também prevê expressamente a possibilidade de conversão do investimento em participação societária (art. 61-A, § 6º, inciso II), nos moldes já praticados pelo mercado nos chamados mútuos conversíveis em participação societária[3].

O afã regulatório, infelizmente, estabeleceu um  limite temporal para o direito de resgate do investimento: 2 (dois) anos do aporte de capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação. No entanto, o §8 º garante que  o limite supra não impede a transferência da titularidade do aporte para terceiros com consentimento dos demais sócios, caso não haja previsão contrária no contrato social.

As regulamentações também restringiram esse tipo de investimento às finalidades de fomento à inovação, bem como estabeleceram que a vigência do contrato não será superior a sete anos.

O § 3 º positiva importante entendimento, já presente na jurisprudência, de que a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente por sócios regulares, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade. Assim, o investidor-anjo não será considerado sócio e não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando sequer as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica previstas no Código Civil.

No entanto, a própria legislação garante a possibilidade de participação nas deliberações em caráter estritamente consultivo, bem como o poder de fiscalização da  administração do negócio. Assim pode o investidor exigir dos administradores as contas justificadas de sua administração e examinar, a qualquer momento, os livros, os documentos e o estado do caixa e da carteira da sociedade.

Por fim, a Lei n. 123/2006 positiva em seu art. 61-C, caso os sócios decidam pela venda da empresa, o direito de preferência do investidor-anjo na aquisição, bem como direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares, o conhecido tag along.

 

 

Como visto,  o contrato de participação estabelece algumas limitações à liberdade contratual, no nosso entender, absolutamente desnecessárias e que poderiam ser superadas pela elaboração de um outro tipo de avença: o mútuo conversível em participação societária.

No entanto, a segurança jurídica proporcionada pela positivação de regras claras pode ser um atrativo a depender do do investimento e do investidor.

Qual tipo de contrato firmar? Como aliar segurança jurídica e liberdade nas definições do meu investimento? Converse com um advogado especialista!

 

[1] https://www.anjosdobrasil.net/uploads/7/9/5/6/7956863/guia_investimento_anjo_v2.pdf

[2] https://endeavor.org.br/dinheiro/afinal-o-que-e-investimento-anjo/

[3] Os mútuos conversíveis ainda apresentam algumas vantagens face aos contratos de participação que escapam do escopo deste artigo, mas serão abordados em breve em publicação específica.

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